Da saudade em algures ― Joysi Burman Belo




DA SAUDADE EM ALGURES 

ㅤㅤㅤEssa mensagem é pra um você crescido e provavelmente bem distinto do arquétipo do faceiro “encosto” que concebo em minha mente na ocasião em que escrevo essas palavras. Que você saiba que sinto saudades imensas, a angustiante saudade do meu pequeno primo, amigo, irmão escolhido pelo coração e enviado a mim pelo generoso céu, sofro em um tipo inefável e particular de dor por ser deixada para trás e ter que aguentar silenciosa o inferno de ter perdido sua companhia, o pequenino por vezes irritante que desde a mais tenra idade já havia me ganhado completamente com seus grandes olhos brilhantes que resplandeciam em um feixe múltiplo de curiosidade, inocência e generosidade. Meu coração bate insondável tantas são as carências longe de você e declarar que te amo pequenino, parece-me tão exíguo, quando o que guarda o meu coração é tremendo e fica um oceano fundo e imensurável a desvelar o que realmente pretendo. 
ㅤㅤㅤSó sei do amor que está disperso em nossas memórias mais cândidas, do sofrimento diluído que aflora e do tempo que me escapa enquanto sinto doer terrivelmente a saudade dos nossos momentos mais singulares em sua singeleza, sinto saudade dos abraços inesperados e reconfortantes, das bagunças que me tiravam do sério, dos sorrisos que me impediam de negar-lhe o que quer que fosse, saudade também das brincadeiras mais traquinas, das brigas colossais em que travamos os nossos melhores diálogos, seguidas de um companheirismo sem igual, porque só uma adolescente pretensiosamente madura e uma criança de oito anos sabem discutir com estilo. 
ㅤㅤㅤSaudade de ensinar-lhe o dever de casa e de rir internamente da sua expressão de enfado enquanto observava com ciúme as outras crianças brincando na rua até completar a lição e poder se juntar a elas, saudade dos desenhos toscos, maravilhosamente lindos e mais que incríveis apenas por terem sido feitos por você (e sim, eu ainda estou aguardando que me explique como aquela borracha seria eu). A verdade é que eu guardo todos eles com carinho, memórias e desenhos, todos eles, inclusive meu retrato-borracha, eu os amo absolutamente.
ㅤㅤㅤVou às pracinhas, repetir como rito aquilo que o fez sorrir ternamente. O balanço vazio é alheio ao meu pesar, alheio a minha agonia. Indago-me: será a dor indômita avenida a que tudo que é vivo está fadado, pequenino? A saudade se investe com intento e as inquietações todas tornam impossível descansar pacificamente no leito. Setembro se aproxima inexorável e cruel, quanto a mim, ainda custa acreditar que você não estará aqui no meu aniversário de dezoito anos, os solitários, como eu, carregam gravados no peito o fardo de amar vastamente, para nós, um amor médio é completa falta de amor e cada amor é sempre tormentoso, semelhante a desventura que nos convida. 
ㅤㅤㅤA tal altura ergo a face e encaro solenemente o céu noturno em intento claro de impedir que corram as lágrimas que me nublam a visão, em vão escapam inadvertidamente pelas extremidades dos meus olhos pesarosos e fluem livremente até minhas têmporas, suponho que seja assim inútil escusar-se de sentir saudades das pessoas queridas a que nos dedicamos a amar. A cabeça alta confronta o céu em uma miserável ficção de fortaleza, os olhos embaçados pelas lágrimas rogam a Deus e em um átimo o céu já não parece tão vazio, sei então que ainda que me doam essas saudades todas, ainda que os anos sucedam-se e que a distância seja demasiada, o carinho e o amor sempre a superarão porque mesmo que não cresçamos mais juntos nunca estaremos separados, tal é a natureza da verdadeira família. Nunca iremos nos perder no tempo, eu nunca o permitiria, porque família significa, sobretudo, nunca deixar de se importar e eu te amo pequenino! 

[Joysi Burman BeloDa saudade em algures.] 

In: 25 de julho de 2014.





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